O TEMPO -  PARTE II

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               Arnaldo Jabor        

 

Governo Lula é um dos Filhos da Bolha
Publicado em: 14/10/2008

Sempre que posso, uso a velha manchete de outrora: "O inevitável aconteceu!" Pois, eis aí o "inevitável", com todas as suas pompas. Há muito tempo que eu, na minha modéstia de profeta do óbvio, achava que alguma coisa radical ia rolar. O último acontecimento foi a instalação crítica de Bin Laden - a queda das torres.

Depois disso, todos as ações e fatos foram a tentativa de se consertar o Ocidente avariado, burramente comandado pelas bestas do apocalipse bushiano, e ninguém via o sr. Inevitável crescendo dentro de casa: o desvario da economia.

A história me parecia um elástico esticado que teimava em não arrebentar. Sem querer bancar o erudito, eu sempre pensava em duas frases do Shakespeare: "something wicked this way comes" (tradução: "Vem merda aí"), ou uma outra, do "Hamlet" - "The time is out of joint" ("Nosso tempo está fora dos eixos"), ou ainda uma mais chula, do Norman Mailer: "There is a shitstorm coming!" Pois, chegou, "cumpanheiros"… O século XXI começou com o 11 de Setembro e agora, no 16 de setembro, as torres de Wall Street continuaram a cair.

Eu nem pensava no crash da economia. Sentia que a própria realidade (essa velha dama) tinha sido relegada a uma poça d’água, a uma reles pedra no caminho. A arrogância da tecnociência e dos mestres do universo liberal, globalizante, da política e economia, criaram um mundo impalpável, deslizante, abstrato, além de qualquer análise racional, esta velha doença de franceses e alemães do século XVIII.

Pior: qualquer tentativa crítica era desconsiderada como caretice ou passadismo diante da maravilha da "contemporaneidade virtual".

Pois aconteceu; a realidade voltou, mancando com todos os seus defeitos, seus achaques, a velha realidade "realista", feita de sujeiras e loucuras humanas, a velha realidade do armazém do português com o lápis atrás da orelha, linear, com princípio, meio e ridículo fim. Nada da coisa multifacetada, "rizômica", galáctica, a mil anos-luz, não. Fomos arremessados para 77 anos atrás, para 1929, viramos um filme preto-e-branco, sem efeitos especiais - que falharam todos.

E ouso dizer que esse "crash" pode ter um lado - não digo "bom", mas terapêutico. O óbvio explodiu em nossa cara: o capitalismo financeiro, em que o dinheiro vende dinheiro, em que os derivativos se esvaem pelo infinito, não pode continuar desembestado. Não digo isto por humanismo, não. Sei que o capital e seus senhores estão pouco se lixando para os miseráveis e os cidadãos. O capitalismo vai ter de se repensar porque são seus donos que estão perdendo dinheiro. Talvez fiquem mais prudentes para poder ganhar mais, depois. Não nos enganemos: não há forca humana capaz de botar freios nesse terremoto econômico.

Poderão até convocar um novo Bretton Woods, como em 44, quando se fundou o FMI, mas será apenas um trêmulo expediente para se formar uma outra bolha, que um dia explodirá também, que será criticada e depois esquecida, seguida por novas bolhonas e bolhinhas para sempre, porque essa voracidade é a própria essência do egoísmo, do interesse e de nossa estupidez, porque a razão sempre vem "a posteriori", as cabeças estão sempre atrás da marcha da historia - essa coisa torta, bêbada, sem rumo linear. O capitalismo vai ter de resolver tudo sozinho, como uma enchente que aos poucos se esvazia, se adaptando ao real terreno geopolítico.

Muitas verdades apareceram. Uma delas já estava desenhada na era Bush: o fim do mito da competência norte-americana. Outra, que as coisas se modernizaram, mas os homens não. Na globalização, as lideranças econômicas e políticas continuaram selvagens, a pensar na acumulação primitiva de mercadorias.

Outro dia, aquele Roberto Zoelick, agora no Banco Mundial, veio com um papo de que está preocupado com as criancinhas da África e Ásia e com a inflação dos alimentos; mas quando era o secretário do Bushinho, nunca moveu uma palha para diminuir seus subsídios agrícolas para nosso bem.

Também fiquei com medo ao ver que o Paulson, o trêmulo e suarento secretário do Tesouro norte-americano, chamou o Brasil e o G20 para "dialogar" com o G7 - nós, os babacas, relegados à galhofa na última Rodada Doha? Por que nos chamam agora? Querem nos pegar a doença?

No Brasil, nosso Lula e seu governo virtual vai ter de trabalhar. O óbvio também vai se impor. Talvez não seja um tsunami, mas "marolinha" não é. Como vai ficar o PAC, os aumentos de gastos, as milhares de boquinhas enquistadas no Estado? Como será o governo sem a sorte da bolha que nos favoreceu e agora arrebenta?

Terão que cortar gastos públicos, fazer reformas, se os sindicalistas deixarem, não pelo bem do bom senso que a macroeconomia nos legou do governo passado, mas ao menos em nome do prestígio do próprio Lula, sua maior preocupação.

A bolha já apagou as certezas do pensamento único neoliberal: agora, vai apagar as certezas do pensamento único lulo-sindicalista-getulista tardio deste governo.

A arrogância e o narcisismo vão diminuir por um tempo: depois, como tudo na vida, nosso erro atávico vai renascer como rabo de lagartixa. Este governo vai ter de reconhecer que é filho da bolha.

Mas, bem ou mal, com muita dor e sangue, acho que se inaugura uma nova época, se é que épocas existem.

Se Obama ganha nos Estados Unidos, será um indício deste novo tempo, talvez não por muito tempo, mas como disse o Norman Mailer (mais citação…), "ao menos termina a ópera-bufa e vamos ter de encarar nossa própria tragédia".

 

 

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