O TEMPO - PARTE II |
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Lula é Nosso
Único Acontecimento
Publicado em: 16/09/2008
É difícil saber se o governo vai bem ou mal
Quando comecei a escrever em jornal, há 17 anos (santo Deus...), fiz
um juramento de que nunca começaria um artigo com a célebre frase:
"Estou diante da página branca, em busca de um assunto"... E cumpri
a promessa, querido leitor. Jamais fiz isso. Mas, hoje, não sou eu
quem está sem assunto; é o Brasil. Parece não acontecer mais nada no
país. Como se explica isso?
Bem, é que Lula é o único acontecimento. Ele se apropria do que
acontece e interpreta-o em seu interesse. Pode transformar
acontecimentos em não-acontecimentos e vice-versa. Pode transformar
o nada em fato e o fato em nada. Com seu carisma e marketing
constante, joga uma nuvem de poeira nos olhos do país.
Ele entendeu que basta apoderar-se dos defeitos e cacoetes políticos
do Brasil e saber manobrá-los para tudo marchar como "normalidade".
Apesar de crises de faits divers, nunca o Brasil pareceu tão normal.
Com a economia bombando, já que ele teve a sensatez de conservar a
boa política econômica do governo anterior, basta a Lula manter a
imagem do funcionamento político normal, aceitando as anormalidades
como normais, aceitando vícios dos poderes como fatos inevitáveis e,
sabe ele, nem tão danosos à sua administração.
Lula fatura como seus todos os acertos do governo anterior e jogará
seus erros nos ombros de quem vier depois, disse uma vez Dora
Kramer.
O que me dói neste governo é o que ele poderia estar fazendo com a
imensa grana que entrou com essa bonança e com as alianças que
teceu. Mas grandes mudanças e reformas essenciais dariam muito
trabalho e desgastes, e Lula não quer aporrinhação. Ele conseguiu
ficar fora de todos os escândalos que os babacas bolchevistas
aprontaram. Saiu limpo e mais branco ainda, com o Omo da impunidade.
Sejamos justos; Lula merece elogios. Ele tem sido sensato, aqui e na
América Latina; quer fazer algo pelo Brasil, sim; trouxe o conceito
de fome e pobreza para a agenda administrativa e tem sido
democrático.
Mas este artigo trata mais de sua genialidade política. Aí, sim.
Trata-se de um maquiavel espontâneo, forjado na luta dura da viagem
entre as classes sociais.
Ele aparece todos os santos dias na TV, rádio e jornais, pois
descobriu o Brasil real e aí está seu gênio - descobriu algo que
ninguém viu antes: que o Brasil não precisa de governo, basta
parecer que tem.
Ele entendeu que não existe uma meta a priori, desistiu de qualquer
idéia de atingir uma síntese.
Esta é a grande dificuldade de se analisar seu governo. Os
comentaristas típicos partem de uma premissa de progresso no futuro
e esperam que ela seja cumprida na prática.
Mas nós não conseguimos concluir nada. Afinal, é bom ou ruim?
Ninguém tem certeza. Lula não trabalha com isso. Acha isso uma
bobagem "modernista". Seu projeto é ele mesmo.
Ele deixa o Brasil andar sozinho e não mexe no essencial. Raciocina
indutivamente caso a caso, sem grandes projetos totalizantes. Lula
adotou como atitude o sentido da "cordialidade" que Sérgio Buarque
de Holanda descreveu.
Como a classe dominante do Nordeste, da qual ele foi a vítima, Lula
usa o jeitinho do "homem cordial" para si mesmo. Aos amigos aliados,
tudo; tolerância até com os macarrões de um Severino para governar
em paz.
Ele sabe que tudo se esquece. Quanto à lei e questões
institucionais, não liga muito. Não fere a lei, mas tolera que seus
sórdidos aliados o façam, como se dissesse: "É o Brasil, o que se
vai fazer"?
E, atenção inimigos meus, vou dizer uma frase polêmica: talvez só
essa velha cordialidade ibérica nos preserve uma louca e tropical
"democracia". Lula usa isso.
Lula desmoralizou os escândalos, tolerando-os. Ele não é malandro
nem desonesto, mas tem sensibilidade para o que o Brasil quer ver.
Este é o outro tema deste artigo: Lula como ator. Sim. Até hoje, só
foi enfrentado por outro gênio do palco: Roberto Jefferson, que até
lhe fez o favor de livrá-lo dos bolchevistas psicopatas que o
impediam de governar.
Agora, só tem tarefeiros e pelegos na boquinha, mas que não fazem
tanto mal quanto os "dirceuzistas", que nos jogariam na vala da
Argentina.
O Lula-ator tem o selo de legitimidade de sua vida de operário. Tudo
bem. E ele passa habilmente a "sabedoria" que o sofrimento lhe deu,
a paciência diante das crises: "Calma, pequenos burgueses!... Eu sei
o que é a vida, já passei por coisa pior"!
Lula desqualifica qualquer seriedade dramática com brincadeiras
populares, como o Corinthians, o dedo cortado, o Brasil comparado ao
Sítio do Picapau Amarelo, o mar salgado de xixi.
Mas, se precisar, ele fala sério com a bruta indignação do
sindicalista vítima do "sistema", assim como pode ser tranquilo e
débonaire na reunião da Febraban ou sereno com reis e duques. É um
craque.
Só vi Lula perder o prumo no auge do mensalão, quando temeu por si.
Ali, suas sobrancelhas se arquearam de verdade e seus olhos giraram
para cima, nas órbitas. Ali, ele teve medo mesmo de ser jogado de
volta ao passado de pobreza e marginalidade.
Já na campanha da reeleição, com a subida de Alckmim, ele arregaçou
as mangas, mandou fazer um palanque de passarela como o do Mick
Jagger e botou para quebrar. Era um leão acuado, que ganhou de
goleada. Essa multiplicidade de cores, cambiantes, velozes como as
lulas, é sua maior munição.
Quando se zanga, dá medo. Quando ri, é uma graça - suas covinhas são
irresistíveis, nos acalmam, nos desmobilizam; suas piadas, mesmo sem
graça, tiram a tragicidade de crises.
Isso tudo, sem falar no seu "design" perfeito: barriguinha, um
getúlio barbadinho, simpaticíssimo, o nome de fácil legibilidade,
como "Pelé"...
Em suma, um craque. E tem mais; o país é tão "imexível", tão duro de
roer, tão resistente a qualquer cirurgia ou reforma, que talvez Lula
tenha razão em sua tática de ciência política...
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