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               Arnaldo Jabor        

 

Entrevista com um Político do Bem
Publicado em: 23/12/2008

No crime e na corrupção, a ficção revela a realidade

O senhor é um político honrado?

- Começo por descrever os outros. Na recente crise do país, surgiu um tipo de político que usa o poder só para devorar dinheiro público. Eles não têm os escrúpulos que ostentávamos, como uma homenagem hipócrita à virtude. Falta a esses neo-corruptos a capacidade de ocultar suas perversões, pois se atiram aos roubos com uma fome desabusada, sem dissimulações. Essa raça de interesseiros não tem noção da "poética da corrupção". Eles não têm nem a "physique du rôle". Não têm um mínimo de elegância, de postura parlamentar, têm o prazer perverso de nos chocar com suas carantonhas sórdidas. Sem contar a outra novidade que apareceu: a quadrilha de "revolucionários" que atacaram o Estado com o pretexto de um socialismo psicótico, santo Deus...

Eu sou o verdadeiro político brasileiro, semeado na Colônia, regado no Império, desabrochado na Primeira República e vicejando até hoje. Tenho raízes na nacionalidade. Por isso, acho que a coisa mais grave no Brasil de hoje foi a desmoralização da política.

- Mas, qual é a diferença?

- Eu sou do tempo em que tudo era a aparência, em que havia a pose. Uma de nossas belezas era justamente "aparentar"; podíamos ter no bolso do paletó um "jabá" quentinho, mas a pose era imprescindível. O importante não era ser honesto; era parecer honesto. Eu nunca pensei no bem do povo, claro, e sempre no meu interesse, mas era importante que esse egoísmo viesse vestido de mansuetude, de uma dignidade que engane até a mim mesmo. Digamos que eu multiplique meu patrimônio (bela palavra...) em poucos anos... Então, convenço-me de que preciso de ilhas, iates e fazendas para ter a tranquila solidez de um bom estadista... .

- Mas, e o futuro? E o bem do povo?

- Já fui um romântico, meu filho. Queria mudar o mundo, mas entendi que a beleza estava nos que vocês chamam de "reacionários" e que eu chamo de "clássicos". A oposição é feia, cheia de rancor e inveja. "Fora do poder tudo é ilusão", disse Lenin, não? Pois eu nunca fiquei fora. Há um outro poder mais profundo que o partido A ou B, há um poder que se entrevê nos gestos seculares da elite, na fronte alta, no perfil de medalha, nos ternos bem cortados, nos sorrisos concialiatórios, no autoritarismo egoísta disfarçado de tolerância democrática. Não sou nenhum Milton Campos, nem Ulysses Guimarães ou Tancredo, mas tenho de herdar sua postura, mesmo achando-os uns otários.

Eu me lembro de meu primeiro mensalão. Antes, eram "bons negócios". Fiquei emocionado, sentindo-me gente grande, ali, com um cinismo altaneiro, sentindo a verdade crua do interesse, sem brados de falsa virtude. Lembro-me da mala de dinheiro que recebi, impávido, sem um tremor no rosto, e isso me deu grande orgulho e alegria. Nada mais triste que a honestidade anônima, inútil. Nem a mulher respeita o honesto. O importante é não sê-lo, parecendo.

- E o progresso, como se faz?

- Meu amigo, este país sempre foi construído pelos arreglos mais inusitados... Ouça: através dos contratos superfaturados, do favores clandestinos, da eterna corrupção, foi-se construindo um país, uma cultura e, bem ou mal, as instituições se ergueram.

Não vejo mal nisso; há uma grande beleza nessa simbiose entre crime e progresso. Quem trabalharia, empreenderia algo, apenas pelo abstrato "interesse público"? Não há isso. Só o interesse pessoal , privado, só os egoísmos casados constroem um futuro. O "desprendimento" romântico é hipocrisia, narcisismo, talvez até uma forma de masoquismo; havia interesse pessoal até na Madre Tereza de Calcutá. Eu sou humilde; aceito favores sim, tenho a modéstia de fazer negócios excusos, sabendo que as pequenas corrupções são os chamados "fringe benefits" da política, que vão nos enriquecendo no curso dos anos, ao contrário dos golpes sem elegância que esses neo-canalhas fazem por aí. É preciso ser forte para ser desonesto. Há uma desonra digna que faz parte de nossa tradição.

- E políticos como o senhor são respeitados...

- Quando surge alguma crise com sôfregos reformistas, nós chegamos com sorrisos calmos e um certo amargor conformado nos lábios, lembrando que a história humana sempre foi assim, injusta e incompleta, e que temos que aceitar essa contingência.

Nesta era do fim das utopias, é até bom ostentar um certo vazio ideológico, como se dentro de mim morasse a conciliação de todos os contrários.

- O senhor sofre com isso?

- Eu? Nada; até lhe confesso alguns secretos prazeres.

Adoro vivenciar o meu cinismo, minha cara de jogador de pôquer; é uma delicia não ceder ao sentimento de culpa diante de crueldades que tive de cometer. É bela a coragem de concordar com injustiças e sabotagens, de boca fechada, com a consciência muda, como diante de um mal necessário. Há um grande prazer em prometer e não cumprir, em trair de cara limpa. Há prazer em se vingar de ex-inimigos arrependidos com um humilhante perdão..

- E o poder compensa isso?

- É doce o rumor dos puxa-sacos, o ronco dos helicópteros, a preciosa presteza dos ajudantes-de-ordem, dos seguranças, negões fiéis às tuas costas.

O poder também te permite consolidar uma imagem para a posteridade contrária a tudo que você realmente é. E não só para os outros, agora e no futuro, mas para mim mesmo. Minha preocupação é como serei descrito no futuro. O único problema é a finitude: vou pintando os cabelos, bigodes, vou adornando minha biografia, mas a finitude é grave. Mas, acredito mesmo que sou um homem de bem, bom para o Brasil. Na mentira, o essencial é o auto-engano.

- O senhor ama o Brasil?

- Tenho amor pelo Brasil, sim... Tenho um amor amarrado em mim mesmo, uma mistura de mim com as florestas e cachoeiras, eu e o povo. Sempre que penso no país, eu me amo. Afinal, eu sou o Brasil...

De férias, o jornalista Arnaldo Jabor escolheu este artigo entre os que já escreveu para ser republicado.

 

 

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