O TEMPO -  PARTE III

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               Arnaldo Jabor        

 

Há um Sub-Eu Rolando na Internet
Publicado em: 17/06/2008

Não adianta: os artigos apócrifos continuam

Ando pela rua e as pessoas me abordam: "Adorei o seu artigo que está circulando na Internet! Maior sucesso!" Pergunto, já com medo: "Que artigo?" "Esse texto genial que você escreveu que se chama ‘A mulher impulsiona o mundo’ : ‘ É você, mulher, quem impulsiona o mundo. É você quem tem o poder, e não o homem.

É você quem decide. Bendita a hora em que você saiu da cozinha’". Não me agüento e digo: "Você acha que eu ia escrever uma bobagem dessas?" Aí, o admirador do texto apócrifo, fã de um "jabor virtual", se encolhe ofendido: "Mas... tem coisas legais..." E eu, implacável: "Acho uma bosta..." Pronto!

O sujeito sorri amarelo e vira meu inimigo para sempre. Já reclamei desses textos apócrifos, mas tenho de me repetir. Não dá mais. Todo dia surge na Internet uma nova besteira, com dezenas de e-mails me elogiando pelo que eu não fiz. Vou indo pela rua e três senhoras me abordam: "Teu artigo na Internet é genial! Principalmente quando você escreve: ‘As mulheres são tão cheirosinhas; elas fazem biquinho e deitam no teu ombro...’" "Não fui eu...", respondo.

Elas não ouvem e continuam, sideradas: "Modéstia sua! Finalmente alguém diz a verdade sobre as mulheres na Internet! Mandei isso para mil amigas! Adoraram aquela parte: ‘Tenho horror à mulher perfeitinha. Acho ótimo celulite.

Querem estar sempre na moda, malhadas, mas não estão com nada, pois a imperfeição humaniza....’" Repito que não é meu, mas elas (em geral barangas) replicam: "Ah... nem vem...

É teu melhor texto..." -- e vão embora, rebolando, felizes. Há mais: "O cheirinho delas é sempre gostoso, mesmo que seja só xampu. O jeitinho que elas têm de sempre encontrar o lugarzinho certo em nosso ombro. Ou: o amor não é chegado em fazer contas, quando a mão dele toca tua nuca, tu derretes feito manteiga, pois o amor é uma raposa...(?)". Vejam este que surgiu e acaba assim: "As mulheres de hoje lutam para ser magrinhas.

Elas têm horror de qualquer carninha saindo da calça de cintura tão baixa que o cós acaba!"... Luto diuturnamente contra cacófatos e jamais escreveria "cós acaba!" Mas, para todos os efeitos, fui eu. A Internet é a vala-comum dos autores; lá eu sou amado como uma besta quadrada, um forte asno... (dirão meus inimigos: "Finalmente, ele se encontrou...").

Dentro da web, sou campeão mundial de lugares-comuns: "Bom mesmo é ter problema na cabeça, sorriso na boca e paz no coração!" Ou: "A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso cante, chore, dance e viva intensamente antes que a cortina se feche!" Ainda sobre a mulher: "São escravas aparentemente alforriadas numa grande senzala sem grades". Fui eu, a mula virtual que escreveu tudo isso.

E não adianta desmentir. E não publicam só textos safadinhos, mas até coisas épicas, como uma esplendorosa "Ode aos gaúchos" que eu teria escrito, o que já me valeu abraços apertados de machos bigodudos em Porto Alegre, quebrando-me os ossos: "Tché, tua escritura estava macanuda, trilegal!" Eu nego ter escrito aquele ditirambo meio farroupilha aos bigodudos, mas nego num tom vago, para não ser esculachado: "Tu não escreveste?

Então tu não amas nossas ‘prendas’ lindas , e negas ter escrito aquele pedaço em que tu dizes ‘que a gente já nasce montado num bagual? Aquilo fez meu pai chorar, e o pedaço em que falas que ‘por baixo do poncho também bate um coração’? Tu tá tirando o cu da reta, tché?"- e me aponta o dedo, de bombachas e faca de prata. Não sou gay (ainda), mas esse texto me cobre com uma fresca chuva de purpurina.

Logo depois, aparece outro artigo onde esse "eu-virtual" teria escrito: "Antigamente, o homossexualismo era proibido no Brasil. Depois passou a ser tolerado. Hoje, é aceito como coisa normal. Eu vou-me embora antes que passe a ser obrigatório". Ou seja, sou gay e homofóbico ao mesmo tempo.

Meu fantasma na Internet também escreve sobre auto-ajuda; dou conselhos sobre sacanagem, para cornos e idiotas. Vejam: "Não dá para ficar somente com a cereja do bolo - beijar de língua, namorar e não ser de ninguém. Para comer a cereja é preciso comer o bolo todo. ‘Ficar’ também é coisa do passado.

A palavra de ordem hoje é ‘namorix’. A pessoa pode ter um, dois e até três namorix ao mesmo tempo!" Também conselhos a cornos, potenciais ou realizados: "Um dia, você será corno, a menos que nunca deixe uma ‘mulher moderna’ insegura; senão, ela liga pra aquele ex-bom de cama, cafajeste, mas ‘grandessíssimo’, e pronto: lá vai você mugindo...

Mulher insegura é uma máquina colocadora de chifres. Se não conseguir prendê-la, assuma seu ‘chifre’ em alto e bom som!" "Eu" também dou conselhos aos burros. Exemplo: "Gente chata essa que quer ser séria, profunda. Putz! Deixe a seriedade para lá. No dia-a-dia, pelo amor de Deus, seja idiota!" Mas o pior são artigos escritos em meu nome por inimigos covardes - para me sujar.

Há um texto rolando nos computadores - há mais de um ano - que diz coisas como: "Brasileiro é babaca. Elege para o cargo mais importante do Estado um sujeito que não tem escolaridade e preparo nem para ser gari. Brasileiro é um povo trabalhador. Mentira. Brasileiro é vagabundo por excelência.

Um povo que se conforma em receber uma esmola do governo de R$ 90 mensais para não fazer nada não pode ser adjetivado de outra coisa que não de vagabundo. Noventa por cento de quem vive na favela é gente honesta e trabalhadora. Mentira. Muito pai de família sonha que o filho seja aceito como ‘aviãozinho’ do tráfico para ganhar uma grana legal.

Se a maioria da favela fosse honesta, já teriam existido condições de se tocar os bandidos de lá para fora porque podem matar dois ou três, mas não milhares de pessoas. O brasileiro merece! É igual a mulher de malandro - gosta de apanhar ..." Ou seja: admiram-me pelo que eu teria de pior; sou amado pelo que não escrevi. Na Internet, eu sou machista, gay, homofóbico, idiota, corno e fascista. É bonito isso?

 

 

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