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               Arnaldo Jabor        

 

Começa Hoje a Revoada dos Garrinchas

As camisas amarelas correm na grama verde sob céu azul. Parece uma bandeira desfraldada. É o Brasil lindo, limpo, que não se extingue, que reaparece, apesar da lama que jogam sobre ele.

Que Brasil é este que vive dentro de nossas cabeças? Na Copa do Mundo ele ressuscita.

No último ano nos vimos numa mesa de dissecação, vimos que a mentira, a corrupção e a violência são maiores que qualquer tentativa de contê-las. O veneno que corre no corpo do país é muito mais letal do que pensávamos e temos de engolir a arrogância da hipocrisia do governo Lula, que desmoralizou qualquer indignação e que pode ter danificado a República por muito tempo.

Mas, hoje, a Copa está começando e nos lembra que há um sonho de futuro em todos nós. A Copa, como dizia o Nelson Rodrigues, é a pátria de chuteiras. O país vira um feriado de suas dores e vergonhas.


Em 1950, a Copa era vista como o cálice sagrado, o Santo Graal que nos indicaria o rumo certo. Se vencêssemos, entraríamos na estrada da ventura. Mas perdemos, e eu me lembro de meu avô chegando do Maracanã aos prantos, derrotado na guerra de salvação nacional. Ele me contou do silêncio, do doloroso silêncio nas rampas do estádio, na saída do jogo: “Não se ouvia um pio, só o ruido dos pés e os soluços dos crioulões e geraldinos.”

Talvez seja verdade, talvez 1950 tenha mudado mesmo nosso destino, pois em nossa História o papel do acaso é grande, o papel dos fatos inesperados nos muda de rumo, como os porres do Jânio ou o micróbio na barriga do Tancredo. Em outubro de 50, Getúlio foi eleito, quando a máquina do Golpe de 64 já começava a trabalhar e foi interrompida por seu suicídio em 54, abrindo alas para a subida de JK — a direita autoritária teria de esperar mais dez anos.

Em 58, a taça na Suécia abriu os anos de euforia de JK até que, no auge da festa, os milicos chegaram e desviaram a rota por 20 anos.

Mas, mesmo depois do baixo-astral de 66, o sonho do futebol persistiu.

Em 70, sob a repressão e a tortura, lembro-me da mistura de triunfo com fracasso, de felicidade com amargor, da angústia da vitória de um país humilhado.

Não entendo nada de futebol para ficar deitando regras, mas me pergunto: “Este time de hoje quer ser a metáfora de quê? Que Brasil quer prefigurar?”

No estilo brasileiro de jogar, sinto uma intenção: mostrar uma diferença em relação aos povos do mundo. Há um esboço do que gostaríamos de ser um dia. Não há estilo inglês de jogar, ou melhor, alemães ou ingleses jogam com a determinação obtusa que tinham ao invadir países ou conquistar impérios, mas não exibem no campo o desejo do que gostariam de ser, no futuro; eles já “são”, mas o Brasil nunca está pronto. Nós jogamos como se quiséssemos realizar uma utopia.

Que dizem os pés? Que buscam mostrar os dribles, os volteios, as pedaladas de um Robinho? Que significam os chapéus de Ronaldinho Gaúcho? Serão a homenagem à tradição da capoeira e do samba? Serão remotas lembranças das fugas da escravidão, serão restos dos floreios da malandragem, com navalha e rasteira? Há algo de jazz no futebol brasileiro. Assim como os negros americanos do Sul tiraram de seus blues a maior forma de música no século XX, o futebol aqui também é uma criação dos negros pobres e dos cariocas (mesmo que os paulistas reclamem...). Parece jazz, mais que samba, a série de improvisos que se somam e formam um conjunto. Winton Marsalis disse que no jazz “cada um tem sua expressão individual, mas tem de negociar com o interesse de todos, para uma boa harmonia — exatamente como na democracia...” É perfeita a definição, para o futebol e para as jam sessions .

Que significam as fintas desses herdeiros de Garrincha, aquele que enganava ricos e fortes com os truques de Malazartes? Será que a recente implicância com Ronaldo Fenômeno tem a ver com seu estilo pesado, perto dos malabarismos dos outros? Os times europeus têm uma lógica, um objetivo coroando a estratégia. Nós também, claro, mas jogamos como se a vitória viesse meio por acaso, quase uma conseqüência-bailarina de nossas firulas. Nesta Copa, há uma revivência do espirito de Garrincha.

Esta seleção é também um time de jovens bem-sucedidos, nossos embaixadores no Primeiro Mundo. Temos orgulho deles: eles provam que algo pode dar certo para “periféricos”. Não temos inveja, pois um dia poderemos ser ricos e famosos como os neguinhos de Bento Ribeiro e do Capão Redondo...

Outro dia fiquei até com um pouco de pena dos criminosos na “segurança máxima”, que não verão os jogos da Copa. É pior que solitária, pior que ausência de mulher. Não ver a Copa , nos dias em que “até os esqueletos no cemitério ouvem os jogos nos radinhos de pilha”? Nada pior que não ver o jogo do Brasil. Os criminosos mais cavernosos têm uma forma de amor pelo país que atacam. Marcola quer ver os jogos e torcer pela pátria, mesmo depois de esculachar São Paulo?

Alem do crime, alem da barbárie, existe um Brasil desejado.

Alguma coisa une o traficante e a grã-fina. Mora em todos nós, mesmo no assaltante, um sonho de felicidade.

 

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