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Entrevista
concedida ao Jornal Estadão
Estado
Seu novo livro, A Invasão das Salsichas Gigantes,
tem um tema dominante?
Arnaldo Jabor
O livro é uma coletânea das melhores crônicas que escrevi nos
últimos três anos. O meu critério de seleção é a qualidade. Escolho
aqueles que julgo os mais bem escritos, mais estruturados. Não há
uma espinha dorsal ou temática, embora a política seja o tema
principal. Tenho para mim que a política é o tema mais candente no
Brasil de hoje. Afinal, o País está entre a cruz e o abismo. Não se
sabe se cai ou não cai. A economia mundial e a brasileira vivem aos
sobressaltos, no fio da navalha. A importância da política é
transcendental.
Estado
Mas houve momento em que você prestou mais atenção a temas
culturais, ao Cinema Novo, à sua geração artística.
Jabor
Não separo os temas culturais da política. É tudo parte de um só
emaranhado. Escrevo mais sobre política porque, no Brasil, ela
assume dimensão monumental.
Estado
Você tem acompanhado as reuniões do Grupo Executivo de
Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica (Gedic), que está para
dar origem a uma Agência de Cinema?
Jabor
Não. Eu abandonei o cinema. Há dez anos sou jornalista, vivo de
jornalismo. Mas não nego que estou tentado a voltar. Até porque
minha mulher (a produtora Suzana Villas-Boas) é uma fera na área da
produção audiovisual. Ela produziu filmes importantes como Feliz Ano
Velho (Roberto Gervitz, 87), Vera (Sérgio Toledo,86), entre outros.
E está voltando a produzir. Minha filha, Carolina Jabor, é uma das
melhores diretoras de comerciais do País. Faz um belo trabalho na
Conspiração Filmes, aquela badalada produtora carioca. Eu larguei
tudo. Nem publicidade faço mais. Só jornalismo.
Estado
E seu trabalho na televisão? Continua motivador?
Jabor
Adoro meu trabalho na TV. Minha geração nutriu-se de um caráter
romântico e messiânico. Se você pegar os filmes do Cinema Novo,
perceberá em todos eles um desejo de influir na realidade
brasileira. Perceberá a busca de estética e ética transformadoras. É
assim nos filmes do Gláuber (Rocha), do Nelson (Pereira), do Cacá
(Diegues). Me sinto, na TV, cumprindo a missão que o Cinema Novo nos
dava. Cada comentário meu traz este desejo de influir, de se meter
na vida brasileira, de sentir-se útil. Já fiz coisas louquíssimas no
ar. Já explodi ovo, já desenhei mapa, já falei em off, já apaguei a
luz e falei segurando uma vela...
Estado
E fazendo cinema, você não se sentia útil?
Jabor
Sentia, mas fazer cinema no Brasil é complicado. Vida de cineasta,
aqui, é bater em porta fechada. Na TV e nos jornais me exercito no
dia-a-dia. E ainda tem o Manhattan Connection, que é semanal. Antes
eu gravava em Nova York. Agora, gravo no Rio, via satélite. Eles
editam e fica parecendo que eu estava com meus colegas no estúdio. O
programa é ótimo, líder de audiência na TV a cabo. As pessoas gostam
porque é debate vivo, polêmico, com gente de opinião. Todo mundo
quer ouvir opiniões. As pessoas estão perdidas, atarantadas com
tantas realidades novas a desafiá-las. Por isso, os jornais publicam
cada vez mais artigos opinativos.
Estado
Não restou nenhuma vontade de voltar a filmar?
Jabor
Sim, de vez em quando penso nisso, mas jamais a vontade de voltar a
viver de cinema. Isso não. Quero viver de jornalismo. Mas os fatos
de minha mulher ser uma produtora extraordinária e de os amigos
viverem me incentivando, pode ser que me façam voltar a filmar.
Aliás, comprei os DVDs do (Andrei) Tarkovski (1932-1986) e estou
curtindo assisti-los. Ele tem aquela coisa meio mística, aqueles
filmes loucos, Nostalgia, O Sacrifício, Andrei Roublev... Filmes
maravilhosos. Se eu voltar a fazer cinema, o farei no terreno do
cinema poético. Não quero saber de cinema comercial. Já tentei fazer
a ponte entre o cinema comercial e o de qualidade. Equação dura e na
qual até que me dei bem. Mas agora não estou mais a fim de fazer
filminho para conquistar mercado. O mercado brasileiro não é mais
conquistável. Já foi conquistado pelos americanos. Quero é fazer
filme poético, fazer pelo prazer mesmo do fazer.
Estado
Você vem acompanhando o novo cinema brasileiro? Algum filme recente
o estimulou?
Jabor
Acabo de ver O Xangô de Baker Street, do Miguelzinho (Miguel Faria
Jr). Ficou ótimo, muito legal mesmo. Vi também Copacabana, da Carla
Camurati. Adorei. É um filme delicado, poético, felliniano. Me deu
vontade de filmar. Fellini é o máximo. Esta coisa que ele tem, esta
compaixão pelas pessoas, pela vida, este amor pela beleza, esta
coisa literária e renascentista ao mesmo tempo me encantam. Quanto
ao cinema americano atual, ele me causa horror, repulsa. Por sorte
temos os Fellini da vida, o cinema europeu...
Estado
O ensaísta Ismail Xavier sustenta no livro Cinema Marginal e Suas
Fronteiras que Pindorama, sua primeira ficção, e Os Deuses e os
Mortos (de Ruy Guerra) têm mais a ver com o Cinema Marginal que com
o Cinema Novo. Você concorda?
Jabor
Na época em que ambos fizemos esses filmes (69/70), havia duas
coisas: absoluta falta de dinheiro para se produzir filmes, o que
levou muita gente a fazer qualquer porcaria em dois ou três dias, e
o desespero total frente ao AI-5 (13/dez/68). Nunca vi desespero tão
grande na história brasileira. As pessoas enlouqueceram. O que é
Câncer, ou Pindorama, ou Os Deuses e os Mortos senão filmes loucos?
Nós estávamos loucos, buscávamos a autodestruição. Esse é o ponto em
comum com o cinema underground. Os filmes do período são
descabelados, autodestrutivos, queríamos destruir a linguagem e
chegamos a certa afasia. Era uma coisa psicótica. Tem gente, até
hoje, que não entende o que é aquilo. Mesmo assim, do meio deles,
surgiram obras-primas, como é o caso de O Bandido da Luz Vermelha
(68).
Estado
Então você atribui ao momento histórico, e não a um possível diálogo
de geração, essas características similares entre filmes
cinemanovistas e marginais?
Jabor
Não há influência nenhuma de ninguém sobre ninguém. O que despencou
sobre nossas cabeças foi o AI-5. E com ele veio um desespero
monumental, uma descrença em qualquer coisa. A mais terrível das
descrenças se abateu sobre a esquerda. A derrota foi tão radical,
que a esquerda se voltou contra ela própria. Os mais jovens ficaram
contra nós, os 'comunas'. Vivemos anos de derrota radical, de
piração. Já escrevi isso e repito: a contracultura, no Brasil, não
teve nada a ver com hippie e flower power. Tem a ver, isto sim, com
porrada, sofrimento, masoquismo, doença, droga, muita droga,
guerrilha. O cara atuante tinha duas saídas: a droga ou a guerrilha.
O reflexo deste momento no cinema foi esta espécie de suicídio
público. Paulo Emílio (Salles Gomes), me lembro bem, observou: "São
filmes suicidas."
Estado
O cronista Arnaldo Jabor é tributário de quem? Nélson Rodrigues é
sua maior inspiração?
Jabor
Sempre gostei de escrever. Minha formação se deu pela literatura. O
cinema chegou mais tarde, depois da literatura e do teatro. Eu já
tinha mais de 20 anos quando me interessei por ele. Eu lia Rimbaud,
João Cabral, Jorge de Lima e muito teatro: Tennessee Willians,
Eugene O'Neil, Edward Albee... Só pensava em poesia e teatro. Até
que um dia fui parar num ciclo de cinema italiano, seguido de um
ciclo francês. Aqueles ciclos completos, que iam da fase muda até o
presente. Descobri ali que o cinema vinha sendo algo secundário na
minha vida. Que minha formação era literária. Li muito Eça (de
Queiroz). Este sim é minha maior influência. Minha e do Nélson
Rodrigues. Me sinto uma espécie de afilhado do Nélson. De tal forma,
que chego a psicografar (risos) textos dele. E ficam tão
convincentes que d. Elza, a viúva, lê e diz que está igualzinho. Na
minha formação, há muito da literatura americana: Faulkner, Hunther
Thompson, Norman Mailer, Scott Fitzgerald. Meu lance de amor com a
literatura e com a dramaturgia é muito grande. Por isso, nos meus
filmes, sempre dei muito valor ao roteiro, à dramaturgia, aos
personagens. Nunca quis valorizar apenas as imagens. Escrever não é
um sacrifício para mim. É um prazer renovado.
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