QUINTA PARTE

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NOSSAS VISITAS


 

 

               Arnaldo Jabor        

 

"Redentor" chama Deus para nos salvar

Cláudio Torres fez um grande filme visionário e político

Fazer um filme, para quê? Para curtir o charme típico de diretor, visor pendurado no pescoço, chapéu na cabeça, cara de gênio e olho de lince, para ganhar aplausos na sala escura, para ganhar prêmio, para sair nos Cadernos 2 da vida, para aparecer nas colunas sociais, para ganhar o Oscar e papar as atrizes? Fazer cinema para quê? Para ganhar dinheiro? Existem fórmulas mais seguras: fazer lobbies em Brasília ou abrir uma loja de empadas.

Quando eu fazia cinema (ainda faço de certo modo, dirigindo a mim mesmo nas performances na TV) havia uma aura sagrada nos filmes. Fazíamos o primeiro filme como se fosse o último, com uma carga de paixão e utopia que hoje não vejo mais. Queríamos iluminar a "realidade brasileira", invisível ao sol, à luz do dia e que (ao contrário da caverna de Platão) seria sintetizada no escuro do cinema. E como a realidade era lida pela gramática oficial de Hollywood, o Cinema Novo queria inventar uma linguagem que fosse contra a sintaxe careta que mascara os dramas profundos da vida. Odiávamos o "campo e contracampo", os "closes" bonitinhos, a luz difusa e romântica, e até certos "travellings" podiam ser "reacionários". O crítico Luc Moullet sentenciara e nós obedecíamos: "A moral é uma questão de travellings". Nosso cinema, bom ou ruim, era cheio de esperanças. Não estávamos apenas fazendo filmes; contribuíamos para um "Panteon" da cultura brasileira, de modo a expor o país oculto para os brasileiros. E muitas contradições escondidas apareceram sim: a favela, a seca, o cangaço, a luta de classes, a história antiga, os hábitos caretas da classe média, a estupidez das elites.

No entanto, com a evolução dos meios de reprodução, o espelho do país se ampliou como um "hubble" cultural e o mistério foi se desfazendo. Muitas das velhas funções do cinema foram assumidas pela TV e a tradição "francesa" dos cinéfilos e cineastas foi esquecida, matando o cinema "de autor", de crítica, de redenção e "conscientização".

A tecnologia avançou como nunca. E os filmes foram virando produtos de prateleira, vendendo nas lojas de conveniência, em supermercados. Claro que foi bom; não somos idiotas contra a invenção técnica. Mas, para os "autores", os utópicos criadores que viam o filme como um "objeto único", sagrado, isso foi também um trauma. Os filmes ficaram mais "possíveis", mais "normais", comezinhos. Perdeu-se a excepcionalidade de cada obra, a delícia narcísica de desvendar o mundo, de desvendar suas relações dentro da tela. O cinema brasileiro perdeu sua dimensão épica e ambiciosa.

Depois, veio o furacão Collor e exterminou a atividade. Ficamos órfãos durante mais de 5 anos, até que na era-FHC o cinema renasce. Mas sua ressurreição se dá na década de 90, com a globalização liberal e o fim do socialismo. E com a década pós Guerra Fria, sumiu a esperança do socialismo e de um mundo melhor, desejos entranhados em nossa tradição de cinema.

Os diretores entraram numa vereda que se bifurcava: ou caímos no oportunismo "de mercado" tipo "Oba, dane-se o mundo, quero minha grana!" ou passamos a nos contentar com uma amostragem de dramas episódicos, revelando apenas epifenômenos sem a antiga ambição da totalidade. Por um lado, isso foi bom para amenizar o ideologismo que nos cegava. Foi importante vermos de novo os aspectos óbvios da vida que a utopia esmagava. A década de 90 tinha acabado com as “grandes narrativas”, a chama de se chegar a uma conclusão iluminadora. No mundo onde é impossível a revolução, cria-se uma arte passiva. Mesmo os filmes mais corajosos, que denunciavam aspectos terríveis do país não ousavam arriscar reflexões generalizantes. Ficamos mais prudentes, mais "mercadológicos", menos "artísticos" mais preocupados com o público. Também ninguém sabia mais o que dizer do mundo, conformados e confortados pela falta de saídas.

Essa imagem passiva e comportada de um neoliberalismo que "salvaria" o mundo foi rompida pela queda das torres de NY. Osama relançou o absurdo no Ocidente, fazendo cinema. Fez a paródia de um filme-catástrofe. As torres caindo são as mais fortes cenas da História do milênio. Além disso, ele fraturou nossas certezas e abriu de novo o buraco do "que fazer?", o buraco do "por quê?", do "onde?", do "que será de nós?". Estamos de novo diante do mistério, do perigo, da busca de soluções para o mundo.

Escrevi tudo isso por causa do filme “Redentor”, de Cláudio Torres, produzido pela Conspiração Filmes, o “cinema novo” de hoje.

Esse filme é uma oportuna retomada da boa tradição política e teleológica. Trata-se de um furo no cinema que estamos produzindo hoje, pois é de novo o desejo apaixonado de entender o país, de novo diante do enigma, de novo um filme faminto de significado, um filme se arriscando a sair do “faits divers”, do naturalismo psicológico e alcançar uma reflexão crítica profunda. Lacan escreveu (me disseram) que "contra o capitalismo só a santidade". "Redentor" junta as peças perdidas de nosso quebra-cabeças social e convoca até o milagre, criando um cinema visionário e operístico, chamando Deus para dentro de nosso inferno tropical. Estamos de novo em busca de um milagre brasileiro. A parte final do filme bordeja a obra prima, com um grande "agon" operístico, um grande coro, um "Turandot"favelado clamando por uma solução nem que seja divina para nosso desespero. Não que o filme dê alguma resposta. Mas, sua imensa novidade é a busca de "sentido". De novo, buscar o sentido será nossa missão, entre homens-bomba e Bush ou aqui, dentro dessa crise entre utopia e prudência que vive o governo de hoje.

"Redentor" busca uma redenção. E dá vontade de fazer cinema de novo, para salvar o Brasil.

 

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