O TEMPO - PARTE IV |
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Caso
Isabella: a Dor da Falta de Sentido
Publicado em: 22/04/2008
Quando vão mudar o Código Penal deste país?
Tentei não ler sobre a morte de Isabella. Também evitei na época os
detalhes do assassinato do menino João Hélio - na minha profissão,
há que selecionar horrores. Mas não consegui. Vi o desfecho do caso
da menina morta.
A tragédia não é só das vítimas, mas nós também sofremos para
entender o mal incompreensível. Cresce aos poucos uma pele de
rinoceronte em nossa alma; com o coração mais duro, ficamos mais
cínicos, mais passivos diante da crueldade. Como escreveu Oswaldo
Giacoia Jr: "O insuportável não é só a dor, mas a falta de sentido
da dor, mais ainda, a dor da falta de sentido".
Como entender que um pai e uma madrasta possam ter ferido,
estrangulado e atirado uma menininha de 5 anos pela janela? Como
entender a cara sólida e cínica que eles ostentam para fingir
inocência? Como não demonstram sentimento de culpa algum? Ninguém
berra? Ninguém chora?
Como podem querer viver depois disso? Como essa família toda - pais,
mães, irmãos - se une na ocultação de um crime? Como o avô pôde
dizer com a maior cara-de-pau que, "se meu filho fosse culpado, eu o
denunciaria"? Que quer esta gente? Preservar o bom nome da família?
Mas, são parentes ou cúmplices?
Como podem os advogados de defesa posar de gravata, terninho e cara
limpa, falando de uma "terceira pessoa"? Sei que eles responderiam:
"todos tem direito de defesa...", mas como é que eles têm estômago?
A polícia deu um show de bola pericial no caso Isabella, mas dá para
sentir que nossa estrutura penal está muito defasada, com este
espantoso crescimento da barbárie. Como se pode tolerar que um
sujeito que foi condenado na semana passada somente a 13 anos por
ter esquartejado a namorada, alegando "legítima defesa", possa ficar
em liberdade "até esgotar todos os recursos que a lei prevê" - como
disse o STJ?
Como entender que aquele jornalista Pimenta Neves, que premeditou o
assassinato da namorada com dois tiros pelas costas e na cabeça,
condenado já há seis anos, esteja em liberdade ainda, na boa? E
aquele garoto que matou pai e mãe nos Jardins de São Paulo e a
família rica conseguiu esconder tudo?
As leis de execução penal têm de ser aceleradas, as punições têm de
ser mais temíveis, mais violentas, mais rápidas. Há um crescimento
da crueldade acima de qualquer codificação jurídica. Essa lentidão,
esse arcaísmo da Justiça é visível não só nos chamados "crimes de
classe média", como também na barbárie que galopa nas periferias.
O Elias Maluco - lembram, aquele que matou o Tim Lopes com golpes de
espada? - estava em "liberdade condicional", pois a lei concede isso
ao "cidadão". Que cidadão? O conceito de cidadania tem de ser
revisto.
Cidadania é merecimento. Surgiu na miséria do país uma raça de
subumanos, sub-bichos que todos os dias degolam, esquartejam, botam
no "microondas", e são "cidadãos" - "tão ligados?" Qual será o nome
dessa coisa informe que a miséria está gerando?
E´ uma mistura de lixo e sangue, uma nova língua de grunhidos, mais
além da maldade, uma pura explosão de vingança. Não se trata mais de
uma perversão do "humano", mas de uma perversão do "animal" em nós.
"Ah... a lei é igual para todos...", dizem os juristas de terno
brilhante e bochechas contentes. Sim, tudo bem. Mas há novas formas
de crime que têm de ser estudadas e antigos direitos e penas têm de
ser revistos.
Os pensadores da Justiça continuam a tratar os crimes como "desvios
da norma", praticado por cidadãos iguais. Tem de acabar o tempo dos
casuísmos, das leniências, das chicanas. Vivemos trancados num
racionalismo impotente diante desse bucho indomável da miséria, do "alien"
que se forma como um monstro boçal nas ruas e periferias. Com o
congestionamento de fatos tragicamente insolúveis, no beco sem saída
da sociedade, vejo se formar um desejo crescente pelo horror, pela
crueldade, quase que uma fome de catástrofe.
Não falo dos analfabetos desvalidos e loucos, mas os assassinos de
classe média já têm o prazer perverso de fazer o inominável. E esse
casal de pedra, esses monstros? Será que vão se defender em
liberdade, esgotando "todos os recursos da lei", como o
esquartejadorcom "justa causa" ou o assassino daquela menina morta
pelas costas, livre e solto? Serão condenados a dez aninhos com
atenuantes e macetes?
Que acontecerá com eles, depois de estrangularem e jogarem a filha
pela janela? A lei tem de ser mais temida, mas rápida, mais cruel.
Esse vazio da Justiça explica o sucesso de filmes como "Tropa de
Elite" e até fantasias de linchamento em todos nós. Vejam as portas
da cadeia onde estavam os dois assassinos.
E, por fim, por que tantos crimes contra as crianças? O caso do João
Hélio, crianças decapitadas na Febem, criança jogada em lagoa em
Minas Gerais, crianças no lixão, aquela psicopata em Goiás, que
contratava meninas pobres para torturar, e mais: pedofilia,
espancamentos, tudo... As crianças são fontes inconscientes de
terror, de Herodes a Édipo e Moisés.
O rei Agamenon matou sua filha Ifigênia para ter tempo bom em uma
guerr.. Que dizem os antropólogos dos rituais de matança de
inocentes, como foi em nossa terra, Pedra Bonita, que ficou vermelha
do sangue?
Em sociedades primitivas, o sacrifício de animais e o sangue de
inocentes servem para afastar doença, prever o futuro, saciando o
ódio dos deuses. Será que matam nessas crianças de hoje o horror a
um futuro que não há mais?
Lamentamos uma harmonia ainda insistente e almejamos que ela seja
alcançada. É tão inútil usar as palavras racionalmente, diante da
brutalidade deste "outro país" do crime e da miséria, que caio em
desânimo: que adianta ficar os últimos 17 anos escrevendo em nome da
"razão"? E perguntamos, horrorizados: "Por que eles fizeram aquilo?"
Resposta: "Por nada..."
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