O TEMPO - PARTE IV |
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Manual da
Elegância Corrupta
Publicado em: 20/05/2008
Se o roubo é invencível, que ao menos seja chique
Tudo bem, sejam corruptos; mas, com elegância... Há vários anos,
assistimos ao show de grampos, flagrantes, juras de inocência,
provas cabais, evidências solares, júris comprados e sabemos que a
Polícia Federal prende, mas que o labirinto da lei é tão intrincado
que, do outro lado, todos sairão livres, leves e soltos.
Até hoje, houve 800 casos de corrupção comprovada, julgada e
condenada. Mas ninguém está preso. Tudo bem, enquanto a Lei
continuar paralítica, teremos de assistir a esta "féerie", esta
apoteose de ladrões, velhacos, ratoneiros, chupistas e assassinos em
geral. Mas é uma pena que tudo isso aconteça sem um toque de "savoir
faire", sem "glamour", sem "wit"; só nos exibem desculpas
vagabundas, sem respeito por nossa inteligência.
E o pior é que, além dos bons e velhos ladrões políticos de sempre,
há uma profusão de novos corruptos. Agora temos o espetáculo dos
pelegos em ascensão, com bigodeiras tétricas, boçais, famintos,
querendo comer os bens dos burgueses que antes condenavam. Acho que
nossa endêmica corrupção está precisando de um banho de loja, de
aulas de etiqueta, de "finesse".
Ah, que saudades dos bons e velhos corruptos d’antanho... Foram
semeados na Colônia, amanhados no Império, desabrochados na
República. Eram tradição cultural. Eles tinham um traço fundamental:
a pose. O importante não era ser honesto; era parecer honesto. A
coisa mais grave que aconteceu no Brasil foi a desmoralização da
política.
O fim da pose. Nem falo do desrespeito pela verdade, pois a verdade
ninguém sabe o que é, mas a desmoralização da mentira. Essa raça não
tem respeito nem pela mentira.
Eles não têm a mínima noção da "poética da corrupção", não têm
postura, não têm oratória, não se cuidam, vestem-se mal, nos chocam
com suas carantonhas.
Falta a esses neo-corruptos a capacidade de ocultar suas perversões,
se atiram aos roubos com uma fome desabusada, sem dissimulações. São
cheques falsos, assinaturas mal forjadas, desculpas esfarrapadas.
Roubar é também uma arte. Só nos resta imaginar um manual de boas
maneiras para nossos corruptos. Aqui vão algumas regras:
Mintam melhor.
Não digam: "Ah... não me lembro do empréstimo de US$ 30 milhões sem
avalista que consegui - assinei sem ler..." Ou então: "Esta mulher
loura de coxas douradas? Não me lembro se foi minha secretaria ou
não..."
Mintam bem, de fronte erguida, dedo espetado, sobrancelha alta,
semblante calmo na base do Lexotan, olhos úmidos para emocionar o
espectador, talvez uma breve lágrima, mas as mãos sem tremores, e
sorrisos humildes, porém dignos. Mintam, mas jamais tenham o mau
gosto de usar as lembranças da família, como "filhos queridos" ou "
minha amada esposa"; aliás, ocultem-na, para não ficar visível sua
pálida solidão sem amor.
Ocultem também os filhinhos com traços psicopatas ou paranóicos.
Tentem imitar os gestos seculares da rapinagem clássica: vocação de
estátua, perfil de medalha, sorrisos conciliatórios, autoritarismo
egoísta disfarçado de tolerância democrática.
Melhorem a língua que usam em telefonemas sempre gravados. Não é
mais possível essa enxurrada de palavrões e erros de português.
Parem de dizer ao telefone: "E aí... E aí, galego? Já mandou a grana
pr’aquele filho da *? Tu tem qui botar o tutu aqui na minha mão! Tu
tá cum tutu?"
Parem com esse baixo linguajar. Esse tom escrachado tisna a
dignidade do roubo porque o deboche desqualifica a beleza do delito.
E quando comprarem bens com o dinheiro roubado da Saúde ou da
Educação , não comprem apenas os óbvios objetos do desejo cafajeste:
lanchas, carrões, vinhos, Miami, ilhas e amantes cachorras.
Comprem coisas belas, Renoirs, livros raros, vasos chineses de
porcelana "craquelée", sei lá...
No afã de encobrir significados, usem termos mais sutis, em vez de "bufunfa"
ou "tu já entregou pro Mané?" ou "esse cara é do * ... Quero 20%;
10% é pra garçon!..." Vocês devem usar códigos mais cultos: "Já
recebeu o ovo de Fabergé?" ou "O Proust já te entregou os
originais?...."; ou ainda: "Custou quanto comprar aquele Volpi?"
Importantes são as desculpas, os argumentos de defesa. Numa CPI,
depoimento para a PF ou entrevista para jornais nunca diga
lugares-comuns como "São infâmias contra mim... ilibado...
despautério... aleivosias da oposição..." Outro dia, o Jáder
Barbalho deu um belo exemplo. Acusado de supostos delitos, ele
declarou: "Isto é um processo kafkiano contra mim..." Não é bonito?
Boa literatura.
Os álibis têm de ser bem tramados. Não digam que "os R$ 2 milhões
eram para comprar uma bezerra premiada", ou que "eu carregava US$
100 mil na cueca para comprar mantimentos" (o cara disse).
Inventem desculpas emocionantes: "No leito de morte de minha mãe,
veio a PF me procurar..." ou "estava eu rezando, com outros bispos
de minha Igreja, quando caíram por milagre a meu lado duas malas com
6 milhões..."
No capítulo importantíssimo do "lay-out" da corrupção, não usem
gravatas muitos berrantes que apontam para barrigas imensas...
Emagreçam, pois o visual gorducho evoca pança cheia, comilanças...
Fiquem magros.
Muito cuidado também com o dramático, o súbito momento da prisão,
quando a polícia chega. A maioria dos corruptos presos em casa está
sempre de bermudas e chinelo... Evitem esse traje vergonhoso. Quando
algemados, saiam com uma bela "allure"; não escondam a cabeça na
camisa, que parece confissão de culpa. Ostentem um sorriso superior,
irônico, como que dizendo: "Sei que serei solto, não adianta
prender..."
Cuidado com os bigodes - eles significam muito. Há os
incriminadores, os cínicos, os suspeitosos. Penteiem-se melhor,
evitem beicinhos vorazes e úmidos, não paguem amantes com dinheiro
de propina, não gargalhem com a cara gorda imensa, com a boca
escancarada, salivando de gozo, como um hipopótamo ladrão. E, por
fim, quando matarem freiras ou índios, não façam o "V" da vitória
quando absolvidos; apenas, um rosto gélido de quem é o rei da
floresta, que compra jurados e "laranjas" para irem em cana em seu
lugar.
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