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As Chuteiras sem
Pátria
Nelson me pedia para publicar um
texto sobre a Copa, já que está sem contato nas redações: “Eu sou
do tempo do Pompeu de Souza, do Prudente de Morais Neto... Não
Muito bem, aqui vai seu comentário
sobre o sábado da desgraça:
Não adianta berrar no botequim que o
Parreira é uma besta ou que o Ronaldo é um gordo perna-de-pau. Não.
Nosso fracasso começou antes, porque
Não são maus meninos, ingratos, não,
mas neles está ausente a fome nacional, a ânsia dos vira-latas
querendo a salvação. O povo todo estava de chuteiras, para esquecer
os mensalões e os crimes, mas nossos craques não perderam quase nada
com a derrota, tiveram apenas um mau momento entre milhões de
dólares e chuteiras douradas pela
Só o povo berrava: "Ronaldo está
gordo, Ronaldinho tem de atuar mais livre, os jovens têm de jogar
mais!". E quanto mais o óbvio se repetia, mais o Parreira se Porque o técnico é sempre contra a opinião geral. Em vez de orientar as vocações dos rapazes, ensinando-lhes a liberdade, a coragem e o improviso, o Parreira achou que todos têm de caber em sua estratégia. O pior cego é o surdo. E jogador brasileiro não gosta de lei nem de planejamentos, quer inventar sozinho.
O técnico devia ser um reles
treinador, quase um roupeiro, humilde diante dos craques. Mas o
Parreira parecia um ‘Mussolini’ de capacete e penacho. Teve vários
sinais de tirania: só dava a escalação no vestiário, com os
jogadores desamparados, na insônia da dúvida da convocação, não teve
coragem de barrar as estrelas, como se isso fosse Ronaldo fez gols, tudo bem, mas foi uma âncora pesada desde o início, em torno do qual os problemas giraram. Parreira ficou com medo dos jovens, e eu via em seus rostos o desespero do banco. Robinho arfava de rancor e só entrava quando era tarde demais. Robinho foi o único que chorou no final, ainda menino e puro. Quem teve a mãe seqüestrada sabe o que é tragédia. E, para escândalo do país, Robinho ficou de castigo. Ao final de tudo, Parreira disse a frase suicida: "Não estávamos preparados para perder!..." Isso é a morte súbita, isso é a guilhotina. Sem medo, ninguém ganha. Só o pavor ancestral cria uma tropa de javalis profissionais para a revanche, só o pânico nos faz rezar e vencer, só Deus explica as vitórias esmagadoras, pois nenhum time vence sem a medalhinha no pescoço e sem ave-marias.
Mas Parreira ignorou a divindade e
acreditou em si mesmo, com a torva vaidade de uma prima-dona gagá,
com pelancas e varizes.
Será que diante da Marselha sofremos
um pavor reverencial? Em 98, Ronaldo caiu em convulsões de cachorro
atropelado no vestiário. E agora? Creio que no sábado não estávamos
com medo da França, não, o que tivemos foi medo de nós mesmos,
voltou-nos o complexo de vira-latas, inibidos como vassalos diante
do Luís XIV, de sapato alto e peruca empoada. Foi assim em 98 e
agora. A França é muito chique para filhos do Capão Redondo e de
Bento Ribeiro.
Pelé notou o descuido frívolo e
trágico, pois guerreiro furioso não conserta a roupa na batalha.
Esse pequeno gesto revelou bastidores de equívocos fatais, teorias e
teimosias. Descobrimos que o país é dominado por ladrões de galinha, por batedores de carteira e pelos traficantes. Por isso, a população queria que o scratch fizesse tudo que o Lula não fez. Mas era peso demais para os rapazes. A dez mil quilômetros, os jogadores ouviam os gemidos ansiosos das multidões de verde e amarelo, como uma asma patriótica. Não esperávamos uma vitória, mas uma salvação. Só a taça aplacaria nossa impotência diante da zona brasileira, a seleção era nossa única chance de felicidade. Queríamos a taça para berrar ao mundo e a nós mesmos:
"Viram? Nós brasileiros somos
maravilhosos!"
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