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               Arnaldo Jabor        

 

Entrevista concedida à Redação de O III Berro
 

O III Berro
O que você achou da eleição dos Estados Unidos?

Arnaldo Jabor
É inacreditável! É quase um golpe de Estado. Acho impressionante... está gravando isto?
 


OB
Está sim, é para a entrevista...

JABOR
Ok, tudo bem! Foi uma decisão política de nível. Não há duvida nenhuma. O Supremo Tribunal Americano é republicano. Então ele fez uma coisa absurda. Antes, a justiça americana tinha autorizado a contar os votos manualmente, pois o Supremo Tribunal da Flórida é democrata; em seguida, impediu essa contagem de uma maneira absurda porque existiam 44 mil votos que deviam ser contados manualmente e as pessoas emperraram...
 


OB
Todo mundo sabia que o Gore iria ganhar!

JABOR
Podia ter sido prorrogado até o dia 18, dia da reunião do colégio eleitoral. Quer dizer, prorrogar a contagem até o dia 18, mas é muito típico do republicano esse tipo de truculência; desde o Watergate ocorre esse tipo de eleição. Os republicanos são competentes. Quando eles têm uma chance de entrar, eles entram. Mas foi uma vergonha. Acho que vai ficar um governo sem legitimidade, um presidente sem crença, sem confiança da população. Muitos achavam e eu, por exemplo, achava que o Gore ganharia. Mas dizem que para o Brasil é bom, porque tem o negócio do protecionismo que diminui, porque eles não dão colher de chá para os sindicatos, que exigem esse protecionismo e que financiaram o Gore. Os republicanos dizem isso. Eu vejo o aspecto mais geral da coisa; eu acho que está começando uma nova onda conservadora no mundo. Você vê que o mundo tem uns ciclos bem misteriosos. Eu acho que o Clinton enterrou um ciclo mais liberal e agora acho que vai entrar um período conservador... Não só no Brasil, mas em Israel, por exemplo, o Barak quebrou a cara, quem entrou foi o Sharon. Eu acho que os Estados Unidos estão entrando numa, em que o mundo mudou, mas eles estão entrando em uma postura de reorganizar o controle sobre os países periféricos, principalmente da América Latina; é uma reacomodação do controle.
 


OB
Mas como você analisa essa questão, frente à organização independente da Europa em relação aos E.U.A?

JABOR
Não sei, depois a gente chega lá. Quero terminar, agora dizendo que a gente sente essa reorganização no controle. Esse negócio da ALCA é extraordinário porque eu conheço os americanos direitinho, não só porque eu morei lá, mas porque o negócio do cinema dá uma brecha muito grande de negociação com americanos, apesar de que é um troço pequeno. Cinema é uma besteira, mas é um bom modelo para saber como eles negociam; eles são invencíveis! Eles estão hoje aqui e estão planejando um negócio para daqui a 10 anos. Então a ALCA já faz parte dessa reorganização do controle, como é o plano da Colômbia. Não é que seja conspiratório, mas eles só pensam em controle e poder. A capacidade de negociação dos Estados Unidos, eles não abrem mão. Eles morrem, mas não perdem uma negociação. Eu acho que estamos num período desse. Acho isto muito preocupante para o Brasil. Eu estava meio otimista, mas agora estou começando a ficar preocupado porque se essa ALCA for negociada como eles querem, aí acho que vai ser barra pesada. Essa possibilidade, essa esperança de uma certa autonomia que eles propagam, mas é uma autonomia paradoxal. Eles querem a gente vivo, mas doente, dependente. Esse é o paradoxo, porque eles precisam de mercado, eles precisam que a gente tenha poder aquisitivo. Existe esse paradoxo no capitalismo atual. Eles precisam realmente que a gente cresça.
 


OB
Ao mesmo tempo não é um paradoxo. Eles administram muito bem o mercado deles, abrindo e desregulamentando o nosso.

JABOR
É o que eles estão fazendo...
 


OB
A ALCA no fundo é uma proposta de desgoverno?

JABOR
Eles já estão dividindo a gente. Nos colocaram contra o Chile; a Argentina já está beijando os pés dele. Esse negócio do Equador...
 


OB
Como é que você vê o Fernando Henrique Cardoso frente a isso?

JABOR
O Fernando Henrique falou que o pessoal reagiu demais ao negócio do Chile, mas acho que o Fernando Henrique Cardoso, o governo atual, teve uma função "desconstrutiva" importante, porque o Brasil era um grande erro e tinha que ser "desconstruído", mas está chegando a hora de uma construção prospectiva. Está chegando a hora realmente de uma nova postura geopolítica, não na visão "desenvolvimentista", mas uma outra visão estratégica. Eu acho que a parte "desconstrutiva" era importante para minar essa estrutura clientelista que existe no Brasil.


OB
A própria visão do BNDES dessa estrutura não acabou. Quando você vê um investimento no Jóquei Clube no Rio de Janeiro, você fala: "é isso realmente investimento?"

JABOR
É outra idéia que não posso discutir tecnicamente. BNDES é uma coisa importante, certo? Mas eu não estou falando disso. Eu estou falando da coisa mais geral da política brasileira. Eu acho que tem que haver um "repensamento", porque está entrando em outro período. Está na hora de um governo mais de esquerda, mais nacionalista, mais protecionista, mas entrando na globalização. O paradoxo todo é esse. A dificuldade é essa. Quem entra no mar se molha, mas se protege. Não adianta você entrar no mar, abrir tudo e morrer afogado sem saber o que pode acontecer. O primeiro ponto é entrar no mar, que a gente entrou, agora está na hora da gente se proteger. Tem que ter bóia, tem que ter apoio.
 


OB
Mas e a estrutura administrativa "Malan" do Brasil: o mercado define a glória, define a visão?

JABOR
O Malan é de direita! Eu acho que o mercado é importante.
 


OB
Se o mercado define como agregar valor para competir neste contexto, como é que nós vamos entrar para competir?

JABOR
Eles dizem que é só abrir e eles prometem nichos, levando em conta as vantagens comparativas.
 


OB
A laranja, por exemplo, seria um dos nossos nichos?

JABOR
 

Mas eles estão cobrando 45% de taxa para nosso produto entrar no mercado deles.

OB
Então não é mais nosso nicho. Qual é a regra do jogo?

JABOR
Eu sei, mas esse é que o grande problema. Os americanos negociam assim: falam uma coisa e fazem outra. "Você é quem sabe!" O Malan ele é um cara legal, é um homem de bem, mas ele foi muito estrito na aplicação da receita americana, da receita de Washington. Agora nós estamos precisando de um troço mais parecido com Mendonça de Barros, José Serra, que é um cara que eu acho que seria nessa linha. Não é ser "desenvolvimentista", mas menos dependente, menos filial e menos subserviente.
 


OB
Você veja o seguinte: o nosso próprio industrial, veja o caso do Cutrale, ele mesmo acabou indo para os Estados Unidos e hoje é um grande exportador do suco de laranja concentrado para a Europa. Como é que nós podemos entender isso dentro do contexto?

JABOR
É difícil entender porque esse tipo de análise, esse tipo de fenômeno econômico e político é muito envolvente, é muito dinâmico. Não dá para definir "fechadamente". Não dá para definir de uma forma fixa. É como definir um trem em movimento. Eu gosto muito do Armínio Fraga, porque ele tem essa visão dinâmica; ele pensa com uma prática. Ele é um americano, foi treinado lá. Eu estive lá em Washington com ele, na reunião do FMI de dois anos atrás. É impressionante, ele é um deles! Só que ele é brasileiro. Eu o conheço muito bem. Ele é um tremendo patriota, brasileiro, a favor do Brasil. Não tem nada de subjugado, como ficam dizendo os babacas, que ele é o homem do Soros. Só que ele conhece tudo, eu vi os caras transando com ele. Ele é da turma, sabe tudo. Está no mercado há 25 anos. Ele é muito competente. O Malan é mais deslumbrado, é meio papo-furado, é um "embaixador político". Ele fica dizendo que os americanos gostam dele. Diz que o filho do Stanley Fisher e o filho dele estudam no mesmo prédio... Sabe esse tipo de coisa? O Armínio não. É mais moderno.
 


OB
Uma vez você falou no programa "Manhatan Connection"...

JABOR
Aquele programa não é muito sério. Naquele programa, temos que ficar dizendo bobagens o tempo todo...

 

OB
Nós estávamos falando de Cingapura. O modelo de Cingapura é um modelo peculiar. O que deu certo lá e porque não dá certo aqui?

JABOR
Primeiro que Cingapura é do tamanho do Estado do Rio de Janeiro. É enorme... Segundo que foi repressão política barra-pesada. Quem dirige aquele país é um tirano esclarecido e que há 30 anos atrás, 1969, começou a fazer tudo ao contrário do que o Terceiro Mundo fazia. O Terceiro Mundo, em plena Guerra Fria, tinha o negócio de defesa contra os americanos. Ele não, ele fazia tudo ao contrário. Ele abriu a economia. Implorava para as firmas americanas se instalarem lá. Ele abriu tudo na base da porrada política. Ele exterminou os comunistas, comprou a classe média com o negócio de fazer "casinha" própria. Deu crédito para isso e criou lá um regime meio barra-pesada e isso desenvolveu muito. Ele andou muito antes do tempo sem querer e aí o tempo mudou, e Cingapura saiu muito desenvolvida. Não é modelo para nada para a gente.
 


OB
Vamos pegar um ponto interessante que é o Fernando Henrique. O Alain Tourraine é muito amigo do Fernando Henrique e até a visão política é muito semelhante. Só que hoje, até ele, começou a falar mal da visão política do Fernando Henrique, com alguns pontos muito bem colocados. É verdade, ou você acha que é bobagem?

JABOR
Eu acho o seguinte: eu acho que o Fernando Henrique... Aí é uma longa história... Eu conheço o Fernando Henrique há muitos anos, sou amigo há 20 anos. Ele é um cara que tem uma personalidade muito gelada. É... Ele não tem paixão. Mas ele é o melhor cara que nós tivemos na presidência. Não existe uma pessoa mais preparada do que ele, nem nunca teremos. Ele é o presidente mais bem preparado do mundo. Eu acho que as coisas que ele está errando, é por conta da personalidade dele. Da incapacidade que ele tem de enfrentar problemas.
 


OB
Quer dizer que é característica do intelectual?

JABOR
Não, isso é característica dele. Por outro lado, a paciência dele é maravilhosa e aos poucos ele está conseguindo muita coisinha. Por exemplo, a Lei de Responsabilidade Fiscal é uma questão fundamental.

 

OB
O problema do Brasil está no Congresso Nacional?

JABOR
É um problema muito grande. É o problema do Congresso, é o problema das instituições rarefeitas, das instituições autoritárias. Toda a problemática brasileira. Foi muito bom o Fernando Henrique ter aparecido, pois ele, apesar dos defeitos, ele é um estadista. Ele manteve uma certa paz brasileira. Muita coisa tem melhorado sim. É muito fácil a gente só esculhambar o Fernando Henrique, porque é aquela figura de pai, mas muita coisa está melhorando, coisas imperceptíveis.

 

OB
A melhor contribuição dele foi a "desconstrução" que você falou?

JABOR
É... "Desconstruir." O Brasil tinha que ser "desconstruído", para poder construir de novo, em novas bases... Ele pegou o país quebrado.

 

OB
Como você promove essa nova construção? Como fazê-la sem ainda ter concluído a "desconstrução" que você fala. Ainda existe muita coisa a ser mudada, ainda tem muita intervenção do governo. Veja esse projeto de quebra do sigilo fiscal.

JABOR
É uma farsa a aprovação desse projeto de quebra de sigilo. Que é fundamental que se combata a sonegação, é indiscutível, mas essa lei é uma farsa. O Congresso sabe que vai ser derrubado. O Senado votou por unanimidade.
 


OB
Mas ela é inconstitucional.

JABOR
É, mas aí eles vão dizer: "Não, a gente tentou tudo."
 


OB
Como então fazer essa nova construção?

JABOR
Ainda faltam dois anos. Se conseguir fazer a reforma da previdência, a reforma tributária. Se for feita a reforma administrativa mais organizadamente, se fizer a reforma eleitoral. Isso é fundamental, além da reforma do judiciário... O problema é esse, é muito difícil.
 


OB
A colocação do difícil é por causa da existência do impossível? Mas quem reflete no impossível são os partidos políticos. Eles é que controlam o impossível.

JABOR
Não são só os partidos, mas toda estrutura brasileira, toda atitude psicológica. É difícil modificar uma prática secular. A minha opinião é esta, mas posso estar enganado. Por outro lado, a gente não pode ficar sem partidos, tem que ter partido, tem que ter democracia.
 


OB
Democracia tem que ter. E a cultura brasileira dentro da globalização? Está indo para cima ou para baixo? Queremos agora explorar o cineasta. Você fez vários filmes, desde "Eu te Amo", que teve bilheteria maravilhosa; "Eu sei que vou te amar", onde a Fernanda Torres ganhou em Cannes o prêmio de melhor atriz. De repente, Jabor larga o cinema...

JABOR
O cinema brasileiro é inviável, é impossível. Mercado é mercado.
 


OB
Quer dizer que eu que estou fazendo um filme sou inviável... (Jair Correa)

JABOR
É. Eu não filmo mais.
 


OB
E o cinema francês, alemão, inglês...

JABOR
Também são.
 


OB
O iraniano também?

JABOR
O iraniano é outra coisa. No cinema iraniano, surgiu um cineasta lá que faz os filmes bem baratinhos e conseguiu ingressar no mercado de artes da Europa, um pouquinho também no mercado de artes americano. Aquilo ali é um fenômeno bonito, mas é nada.

 

OB
É como foi o nosso? O Cinema Novo?

JABOR
No Cinema Novo, se você observar os melhores filmes, as melhores bilheterias, não tem nem cem mil expectadores. Foi um fenômeno num tempo onde a cultura de marketing não estava consolidada ainda e que a manifestação artística existia com seu valor intrínseco. Hoje o valor de mercado é o que manda. Então você quer fazer um filme que vai ter 100 mil expectadores;pode ser o melhor filme do mundo, aquilo não existe. Não acontece, mas isso é uma longa discussão.

 

OB
Mas e o Cacá Diegues, seu grande amigo. Ele ainda está filmando!

JABOR
Primeiro que ele foi um herói da persistência, um trator, uma tartaruga, ele vai ali que ninguém agüenta...
 


OB
Então nesta situação é melhor entrar para a igreja evangélica? Essa é a pergunta. Já que está tudo ferrado entramos todos para a igreja evangélica...

JABOR
Hum...
 


OB
Vamos entrar ou não?

JABOR
Vamos rezar!
 


OB
Jabor, você acha que no cenário atual, após as eleições municipais, há alguma perspectiva das esquerdas avançarem no Brasil?

JABOR
Acho que essas eleições passadas foram geniais, porque as esquerdas tomaram o poder municipal em muitos lugares, o que é bom para treinar; ao mesmo tempo preparar para a guerra e a realidade, pois eles pensam que o mundo é uma ideologia abstrata.
 


OB
Então quer dizer que hoje em dia a esquerda é o sustentáculo da globalização no Brasil?

JABOR
Eu não falei isso. É uma situação muito dinâmica. Não dá para você fazer uma avaliação fechada. A gente tem que suportar um pouco essa indefinição.

 

OB
Mas no fundo a esquerda está promovendo a sobrevivência do processo?

JABOR
Mas a esquerda só tomou o poder em alguns lugares aí. É importante que haja uma visão oposicionista mais forte, para a própria oposição crescer, senão a oposição fica só capotando, o que não é legal.


OB
O que não interessa.

JABOR
Não interessa, tem que ter uma posição propositiva. Senão vai acabar destruindo orelhão. Não pode, tem que participar do processo.

 

ACESSO RÁPIDO


 

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